No início dessa semana postei sobre a Lei 7.195/2016 que estabelece a obrigatoriedade, a partir de 2018, de todas as escolas do Estado do Rio de Janeiro incluírem a Educação Física, da educação infantil ao ensino médio, ministrada exclusivamente por profissionais licenciados na área.

Ok… dura lex sed lex.

A pergunta agora é outra: considerando que a educação infantil começa nas creches e atende crianças de 0 a 3 anos, qual a contribuição que a Educação Física pode dar no processo de desenvolvimento de um bebê de 4 meses, por exemplo?

Costumo fazer essa pergunta no início de minhas palestras e a resposta é quase sempre a mesma: estimular o desenvolvimento motor. Imediatamente replico: então, se não houver um profissional de Educação Física trabalhando com essa criança ela não se desenvolverá motoramente? Cri…cri…cri…

A Educação Física, na educação infantil, representa as bases… as colunas sobre as quais todas as dimensões da inteligência da criança irão ser construídas.

Em um primeiro momento, a ampliação da capacidade de explorar o meio irá proporcionar aos pequenos seres em formação, enfrentar problemas e encontrar diferentes soluções. A cada desafio, um novo aprendizado; a cada novo aprendizado, maior capacidade de resolver desafios mais complexos. Para que isso ocorra, é preciso que o meio a ser explorado seja rico de experiências diversas, motivantes e relevantes.

Mas não basta que espalhemos um monte de brinquedos coloridos em uma sala e deixemos as crianças livres, leves e soltas. É preciso que alguém (NÓS?), que conheça as fases do desenvolvimento das crianças, crie estratégias para que os desafios sejam cada vez mais complexos; que analise cada resposta; que proponha novos desafios; que intermedeie a relação da criança com o meio que inclui outras crianças.

Se os estímulos forem complexos demais, a criança perde o interesse; se forem simples demais, não gerarão as necessárias assimilação e acomodação. É preciso que conheçamos as janelas de oportunidades para que possamos expor as crianças aos estímulos certos, no momento certo.

Alguns distúrbios no processo maturacional podem ser indícios de problemas futuros, alguns sérios e de difícil reversão, se não forem identificados bem cedo. Ao estimular a criança de forma organizada, o profissional pode perceber esses indícios e estabelecer programas de estimulação precoce (que não se confunda com especialização precoce) e preencher, através do programa correto, algumas lacunas que a estimulação casual não dará conta.

Paralelo a toda essa maravilhosa e apaixonante jornada de florescimento das inteligências da criança (são múltiplas!!!), a cada momento o profissional capacitado vai treinando (o termo é esse mesmo!!!) seus pequeninos alunos a perceberem o meio utilizando todos os seus sentidos. Quanto mais aguçada a capacidade sensorial, maior input de informações; quanto maior percepção, maior possibilidade de análise da situação-problema e, consequentemente, maior a possibilidade de encontrar as respostas mais eficientes e eficazes. Precisamos ensinar a criança a “enxergar” além da visão.

Nas palavras de João Batista Freire,

Se a Natureza brindou com a persistência a formiga, com a força o elefante e com a velocidade o leopardo, ao homem brindou com a infância.

A Natureza é sábia: deu à espécie humana o maior período de infância dentre todos os animais.
Infância é tempo de aprender, e criança aprende através do movimento. As escolas deveriam inverter a lógica de sua organização: deixar as crianças a maior parte do tempo em situações onde fossem estimuladas a explorar o meio ambiente. Ao invés de 4 horas e meia dentro das salas e 15 minutos de recreio, onde em geral não podem nem correr, mais aulas de Educação Física, de Artes, de Música, mais tempo para o lazer livre.

Bom…poderia passar uma vida falando sobre isso e ainda seria pouco, pois tenho claro que ainda preciso aprender muito e, por isso, continuo estudando o tema, mas deixo aqui uma mensagem na qual acredito:

A EDUCAÇÃO FÍSICA NÃO É COADJUVANTE DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM. NÃO ESTÁ ALI PARA AUXILIAR AS DEMAIS DISCIPLINAS NO REFORÇO DE SEUS CONTEÚDOS, TAMPOUCO PARA OCUPAR O ESPAÇO DE LAZER DA CRIANÇA, POIS ESTE DEVE EXISTIR DE FORMA INDEPENDENTE E AUTÔNOMA. ESTAMOS ALI (OU DEVERÍAMOS ESTAR) PARA EXERCER NOSSO PAPEL DE PROTAGONISTAS NESSE PROCESSO, PARA ESTIMULAR A CRIAÇÃO DAS BASES QUE IRÃO ALICERÇAR TODO O SEU DESENVOLVIMENTO, PARA O RESTO DE SUAS VIDAS.

É esta crença que me fez, por exemplo, pegar meu carro, sair as 5 horas da matina de casa, dirigir quase 200 quilômetros para bater um papo com estudantes da Universidade Veiga de Almeida em Cabo Frio, em dois turnos. No final, as 21 horas, retornar para minha casa chegando quase meia-noite, esgotado e sem voz, mas feliz e recompensado por poder dividir o pouco conhecimento que adquiri ao longo de muito estudo e de 30 anos ministrando aulas de Educação Física para crianças.

Agradeço imensamente a oportunidade dada pelo meu grande amigo Ricardo Fernandes, de contribuir com a valorização da minha profissão.

A lei por si só, não irá mudar o cenário atual. A sociedade precisa entender porque a Educação Física deve estar inserida em todas as etapas da formação escolar.

Mas para que ela entenda, alguém precisa explicar isso para ela.

Abraços.

1 Comentário

  1. Diego disse:

    Legal!

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