Começando por onde terminei a postagem anterior, na qual tratei da competência legal do treinador de futebol, chegou a hora da “porca torcer o rabo”.
Sei que a posição que ora apresento é bastante polêmica e certamente irá despertar muitos comentários contrários, o que é sempre muito bom, ao menos para mim que aprendo com cada debate.
Para deixar claro, de antemão penso que para qualquer atividade laboral, o profissional precisa de formação e isso não é diferente para o treinador de futebol. Obviamente, somente a experiência acumulada ao longo da vida de atleta não credencia ninguém a atuar como treinador. É preciso uma formação técnico-científica que se some à prática desportiva.
O que discuto é qual o nível de formação necessário para que alguém possa atuar como treinador de uma equipe profissional de futebol. Será que é realmente necessária a conclusão do curso superior de Educação Física?
Usando como parâmetro a matriz curricular de um curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública do Rio de Janeiro, pergunto: para alguém que queira atuar EXCLUSIVAMENTE como treinador de futebol, o que contribuirão disciplinas como:
Ginástica Geral Analítica I e II; Iniciação à Informática; Teoria dos Desportos Individuais; Práticas Metodológicas dos Desportos Individuais I, II e III; Estudos do Lazer na Atividade Física; Recreação na Educação Física; Nutrição Aplicada à Educação Física; Práticas Metodológicas do Voleibol; do Handebol; do Basquetebol; da Natação; Folclore e Culturas Populares; Gerontologia; Educação Física Adaptada; Teoria e Prática do Lazer; Dança na Educação Física; Políticas Públicas de Saúde na Educação Física; Educação Física Comunitária; Atividade Física em Parques Aquáticos?
IMPORTANTE:
Estou me referindo exclusivamente àqueles que pretendem atuar como treinadores de futebol de equipes profissionais. Se formos falar de treinamento para categorias de base, a coisa muda completamente de figura, uma vez que o conhecimento de outras modalidades e manifestações culturais é imprescindível para quem ministra atividades desportivas para crianças, cujo principal objetivo no que se refere à aprendizagem de habilidades especializadas é o aumento do repertório motor, que depende diretamente da variabilidade de prática.
Em minha modesta opinião, o treinador de futebol de categorias principais não necessita, via de regra, de diploma de Educação Física. O que não quer dizer que não precise de formação.
Antecipando os contra-discursos:
- sem a formação em Educação Física coloca-se em risco a sociedade – se considerarmos que somente
um número relativamente insignificante de atletas consegue chegar ao alto rendimento, a “sociedade” não está
em risco. Se além disso, na formação esses atletas forem treinados por profissionais de Educação Física, aí nem
mesmo eles estarão tão expostos; - todo treinador é um professor – em que pese a carga apaixonada do discurso, treinador de equipes profissionais
não atua como professor, embora nada impeça que o seja. O objetivo é o resultado, mesmo porque, os atletas já
chegam praticamente formados. Os professores devem estar nas categorias de base, onde todas as dimensões de
desenvolvimento dependem dos estímulos corretos; - sem formação em Educação Física os “leigos” dominarão o mercado – leigo é aquele que revela pouca ou
nenhuma familiaridade com determinado assunto, no nosso caso, com treinamento de futebol. Sob esta ótica,
apesar dos 32 anos de magistério e alguns cursos realizados, me declaro leigo para treinar equipes desta e de
diversas outras modalidades desportivas; - essa fragmentação desvaloriza a profissão de Educação Física – a valorização deve passar, necessariamente,
pelo reconhecimento claro por parte da sociedade de qual é a contribuição que a nossa profissão pode dar através
de suas atribuições/ações. Defender que o trabalho com crianças na base do desporto seja desenvolvido exclusivamente
por profissionais de Educação Física, me parece bastante palatável. Defender que somente profissionais de Educação Física
possam dirigir equipes profissionais de futebol, soa como reserva de mercado. - os cursos de graduação formam profissionais generalistas – o problema é que o modelo de curso que temos no Brasil
forma o SUPER-GENERALISTA, habilitado para tudo…capacitado para pouco. Se tivéssemos modelos como em outros
países, com uma formação básica comum nos primeiros anos e com a possibilidade de aprofundamento em áreas de
interesse dos estudantes, poderíamos pensar de outra forma. Aliás, as diretrizes curriculares da Graduação em Educação
Física sugerem exatamente isso:
A critério da Instituição de Ensino Superior, o projeto pedagógico do curso de graduação em Educação Física poderá propor um ou mais núcleos temáticos de aprofundamento, utilizando até 20% da carga horária total, articulando as unidades de conhecimento e de experiências que o caracterizarão.
Diante de todo o exposto, acredito que deveríamos rediscutir todo o modelo de formação em Educação Física no Brasil e, depois disso, estabelecer os limites de atuação profissional. Ampliar o escopo do Conselho para admitir (agora eu apanho! 😁) outros segmentos de categoria, como treinadores desportivos, talvez… Lutar pela revisão da Lei 8.650/93, não para impedir que não diplomados possam atuar como treinadores de futebol, mas para delinear claramente qual a formação necessária para cada “treinador”, de acordo com sua efetiva atuação: para a base, apenas profissionais de Educação Física.
Bom… o tema é complexo e a postagem já está muito longa. Vou ficando por aqui.
Só para deixar claro: dedico mais de 30 anos de minha vida profissional à Educação Física, amo o que faço e tento, dentro de minhas limitações, contribuir com o reconhecimento da profissão.
Não quero acabar com a Educação Física e nem desvalorizar nossa área de conhecimento.
Um forte abraço.
0 Comentários