No dia 3 de abril, entrou em votação no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3428, demandada pela Procuradoria Geral da República (PGR), que sustenta que os artigos 4º e 5º da lei que regulamentou a profissão de Educação Física, Lei 9.696/98, são inconstitucionais, sob o argumento de existência de vício formal de inciativa.

Vamos traduzir esse juridiques.

O Parágrafo 1º, inciso II, “e”, do artigo 61 da Constituição estabelece que são de iniciativa privativa do Presidente da República leis que criem ou extingam Ministérios e órgãos da administração pública.

Ocorre que o STF, no julgamento da ADI 1.717, em 2002, entendeu que os Conselhos Profissionais têm natureza de pessoa jurídica de direito público, uma vez que exercem funções típicas de estado, detendo poder de polícia para cobrar tributos, fiscalizar e punir.

Portanto, os Conselhos Profissionais são órgãos da Administração Pública da União, cujas atribuições lhe são delegadas para que atuem como uma longa manus no Estado.

Assim sendo, o projeto de lei visando a criação dos Conselhos Federal e Regionais de Educação Física deveria ter sido proposto pelo Presidente da República, em atenção ao § 1º, inciso II, “e”, do artigo 61 da Constituição e não pelo então Deputado Federal Eduardo Mascarenhas que apresentou o projeto de lei nº 330/95.

Em síntese, erraram o pai da criança.

Não vou entrar no mérito aqui, se os artigos atacados são ou não inconstitucionais, somente me permito, como Advogado, afirmar que na minha análise técnica SIM, são inconstitucionais. Quem tiver interesse de saber porque entendo dessa forma, terei prazer em apresentar meus argumentos nos comentários.

Só pretendo aqui, face a euforia e a quantidade de postagens e vídeos que li e vi sobre o assunto, pontuar algumas questões, sempre considerando minhas limitações:

A ADI 3428 não discute a importância ou não da existência do Sistema CONFEF/CREFs, tampouco sua relevância na prestação de serviços à sociedade. Trata exclusivamente de uma questão formal, ou seja, se a criação do sistema poderia ter nascido ou não por iniciativa de um parlamentar.

A decisão do Relator da ação, Ministro Luiz Fux, seguida por outros 3 ministros, não desregulamenta a profissão. Somente declara inconstitucional o art. 4º, que cria o Sistema, e o art. 5º que estabelece as normas para um mandato tampão, até que ocorresse a eleição para a primeira diretoria do CONFEF.

Embora tenha dito acima que até concordo com a declaração de inconstitucionalidade dos artigos alvo da ADI, isso não quer dizer que concorde com a extinção do Sistema. Friso que não li os argumentos que levaram o Ministro Fux a declarar a inconstitucionalidade, mas fica claro pelo voto que ele também não.

Isso porque Fux se utilizou do instituto da modulação dos efeitos da sentença, ao determinar sua eficácia ex nunc a partir de vinte e quatro meses após a data do julgamento.

Lá vem o juridiques de novo.

Para simplificar, em regra, a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei tem efeito ex tunc, ou seja, retira do ordenamento jurídico o ato normativo ou a norma incompatível com a CF/88, por ser considerados nulos de pleno direito, desde sua origem. No caso concreto, o efeito ex tunc tornaria inexistente o Sistema Confef/Crefs desde sua criação.

Modular os efeitos da sentença significa estabelecer uma data a partir da qual a decisão que declara a inconstitucionalidade surtirá efeitos evitando assim um possível caos jurídico.

Esta modulação tem guarida na Lei 9.868/99:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Foi exatamente o que o Relator fez: determinou efeito ex nunc e diferiu o prazo para sua eficácia para 24 meses após o julgado.

E por que?

Porque provavelmente considerou (volto a afirmar que não tive acesso ao voto) existirem razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que justificassem a modulação.

E aí, temos que levar em conta que a extinção de um conselho profissional, após 22 anos de sua criação, criaria um imenso caos social.

Em que pese a existência de grupos que ainda se arvoram na luta contra a regulamentação da profissão, fato que é indiscutível a necessidade de um órgão que fiscalize o exercício profissional, considerando os malefícios causados à sociedade, diante da atuação de leigos inabilitados e habilitados sem ética.

Todo cabedal de normas e regulamentos que buscam proteger os beneficiários dos serviços prestados pelos profissionais de Educação Física estaria sob risco de coerção ilegal.

Embora a ADI 3428 não desregulamente a profissão, como disse acima, a extinção do órgão responsável pela fiscalização acabaria levando a uma desregulamentação velada. Se já reclamam que os CREFs não fiscalizam o quanto deveriam, imaginem se não existirem os CREFs.

Bom…Gilmar Mendes pediu vistas e não sabemos quando o julgamento será retomado.

O CONFEF pode optar por tentar atuar na reversão da tendência dos votos pela inconstitucionalidade, ou pode aproveitar o tempo que Gilmar Mendes levar com o processo para tentar articular para, com a luz amarela acesa pela sentença modulada de Fux, buscar o caminho para sanear o vício de iniciativa e, assim, fazer desaparecer o objeto da ADI.

Eu não apito nada, mas…

Se apitasse, consideraria fortemente a segunda opção, ainda que guardasse como carta na manga.

Saudações.

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